O Anti-Cristo!

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segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O cachimbo

Voltando daquela lanchonete tipicamente suburbana, onde só um suburbano trabalharia, vejo a velha do 302 do outro lado da calçada, cheia de bolsas de um supermercado suburbano, onde só uma velha suburbana faria suas compras. Atravesso correndo e pergunto se ela quer ajuda e com toda aquela lentidão e simpatia ela diz um 'Sim, obrigada' acompanhado de um sorrisinho simpático pelo canto da boca que faz mostrar todas as rugas da idade e do peso da solidão. Nunca vi visita alguma entrar naquela casa a única companhia que tem é o som alto da minha casa.

Caminhamos e ela fala sobre o carrinho de compras que quebrou, depois comentando o quanto as bolsas estavam pesadas e finalmente ela sugere que peguemos um táxi o que eu aceitei com um sorriso aliviado de não ter que entrar no maldito ônibus suburbano, onde só suburbanos andariam. Um sentimento de culpa incomum me envolve quando ela pede para que o motorista abaixe o som que a incomodava 'Desculpa pelo som alto de vez em quando, vou tentar maneirar', ela sorri e me surpreende 'Não me incomodo com o seu som, até gosto de algumas músicas, essas rádios de hoje em dia só tocam porcaria'.

Deixo as bolsas na porta do 302 da velha e ela fica parada, como se contemplasse algo muito bonito, mas era o meu rosto que ela contemplava, um certo estado de hipnose me envolve e sinto suas mãos enrugadas tocarem cada lado das minhas bochechas ela se aproxima e marca minha boca com o vermelho do seu batom. Não consigo ter reação alguma, ela se afasta e com um sorriso ainda simpático me convida para jantar em sua casa 'Eu sempre janto sozinha e sempre faço muita comida, se quiser me acompanhar hoje a noite, daqui a uma hora estará tudo pronto. E muito obrigada pela ajuda com as bolsas' e a porta se fecha na minha frente.

Ainda sem entender o que havia acontecido entro no meu 304, encontro um belo corpo jogado no sofá da sala com a TV ligada. 'Amor, acorda, vou tomar banho e já faço um rango pra gente' beijinhos e 'Brigado , mas o cansaço me venceu hoje, vou dormir direto' e se levanta como um zumbi moribundo e vai pro quarto. No banho deixo a água cobrir meu rosto e escorregar pelo meu corpo e penso sobre o que havia acabado de acontecer e devido minha preguiça de ir cozinhar aceito o estranho convite feito pela velha.

Toc toc toc e a porta se abre no segundo seguinte e o sorriso simpático reaparece 'Que bom que veio, estou terminando de assar a carne, entre!' e me guiou até a sala um tanto cheia de abajures, caixas velhas, alguns quadros de mal gosto na parede e poeira. 'Você quer uma ajuda?' digo, aparecendo na cozinha, mas vejo que ela já está tirando um tabuleiro de alumínio bem amassado com um grande pedaço de carne assada suculenta 'Não precisa, está tudo prontinho'.

- Nossa, ta tudo uma delícia, a senhora é uma cozinheira de mão cheia - digo isso só pra quebrar o silêncio que correu-se como horas até eu pôr meu prato. 'Senhora ta no céu, pode me chamar de Melinda' responde ela simpaticamente. E por um momento paro para pensar que eu não sabia o nome da velha e nem ela o meu, mas acho que ela não considerava isso uma coisa importante então preferi ignorar e continuar comendo. O silêncio continua...

Depois de recolher tudo da mesa, o que fui incapaz de fazer pois essa velha que eu agora sabia que se chamava Melinda, tinha algum tipo de efeito sobre minha mente, sentia como se estivesse vagando por um mundo desconhecido, ela retorna:

- Espero que goste do que preparei para nossa sobremesa - ela diz isso com um ar de mistério e dirige-se ao seu quarto. Eu continuo sem conseguir mover-me a vejo retornando com um cachimbo em suas mãos e nenhuma comida. - Esse cachimbo era do meu pai e eu nunca dividi com ninguém, mas acho que finalmente a hora chegou, vamos para a sala, podemos ficar mais a vontade lá.

Guia-me pela mão e senta-se numa cadeira de balanço na minha frente e acende o cachimbo que exala um cheiro conhecido, ela puxa a fumaça pros pulmões e sem soltá-la me passa o cachimbo. Sugo aquela fumaça com a prática que já tinha e começo a tossir, eu sempre fico tossindo fumando a erva. O mais estranho era eu não estranhar a velha fumando a erva.

- De onde você vem Melinda?

- Do fundo do mar, meu pai era o rei dos oceanos e condenou-me a viver na terra para que eu aprenda o quanto é difícil andar sobre duas pernas.

Então ela era uma sereia, por isso exercia esse encanto incomum em mim. O encanto que se envolve cada vez mais e faz-me lembrar o beijo, tudo isso me assusta. Sem nada dizer, levanto-me e beijo ternamente a boca murcha de batom vermelho 'Meu nome é Sabrina' sussurro em seu ouvido e saio do 302 sem mais nada dizer. Deito ao lado do meu namorado na cama, que me abraça prontamente ainda adormecido, ponho o celular pra despertar mais cedo pois tenho que ir ao obstetra amanhã cedo prum exame de rotina do bebê e adormeço pensando em tudo o que me ocorreu no dia mais estranho da minha vida.

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